Bobagens (ou não) por sumiços repentinos

De que vale o calor do meu corpo se há o Sol? Se há tanto ele lhe aquece, se a força que ele tem é tão mais perto da sua que eu. Você é um satélite natural, você é um astro, você se encontra em tudo de tudo faz seu mundo, você faz parte do que é natural e naturalmente age. Onde é que se encaixa em sua vida enorme o meu amor? Meu amor é forte e é grande, mas minha força é pouca e eu sou pequena. Você fez minha cabeça girar e eu já não saberia trocar você por outra qualquer. Eu precisaria de muito pra preencher seu lugar. Não sei se eu consigo, meu bem.

Eu desfaço os feitos e disfarço os enganos. Finjo (pra mim mesma) que pretendo lhe trocar por outros planos maiores. Maiores? Qual o quê! Fico tentando me convencer que tudo bem, que eu sempre soube... Mas que nada! Eu sabia, sim, mas não deu pra prever, eu não pude saber e não poderei agüentar. Não agora. Não vá ainda. Talvez direi que não vou sofrer ou sentir jamais sua falta. Mas ah, não acredite em mim. Ou melhor, acredite, acredite sim. Eu vou dizer que se não lhe encontrar não vou mentir ao dizer que estou bem e que não me importaria ao lhe ver bem com outro alguém também. Peço que acredite, mas no fundo você vai saber que não haverá muita verdade nestas palavras. Mas acredite! Quem sabe assim eu não poderei acreditar também.

Mas ah...
Tira de mim o seu gosto
Me traz mais um copo
Eu não sei se consigo
Vou ficar por aqui,
me esconder num sorriso
Fazer de conta que eu não lembro
E só chorar escondido.

In other words - hold my hand

Eu me lembro muito bem da primeira vez que as observei: sobre a mesa, envolvendo delicadamente uma xícara branca de café. Lembro-me exatamente, principalmente devido a minha falta de jeito em nosso primeiro encontro, amor, lembra? Eu não conseguia encarar você muito, eu desviava os olhos covardemente para baixo. De primeira, obviamente, meus olhos foram parar no decote da sua blusa, um pouco aberto demais, deixando-me ver sem querer algumas partes do seu corpo e do seu sutiã, dando um ar de certeza do muito além do que se vê.

Eu não pude parar ai, porém, uma vez que tudo naquele corpo divino me era uma promessa de que havia muito mais. Foi então que me deparei com elas. Ah, eram puro delírio ambas aquelas mãos: pequenas, delicadas, femininas. Na direita, uma singela cicatriz cruzando três dedos, marcando-a, mais uma vez, como única neste mundo. Observei aquelas mãos ininterruptamente neste dia, elas se moviam com destreza, com leveza, hipnotizavam-me, como uma entrada para um mundo novo, completamente diferente, com as duas ali, anunciando, me chamando, me encantando.

Imagine, pois, quanto não foi o meu êxtase no dia em que nós demos as mãos - os nossos dedos se misturando, se entrelaçando, o calor de nossas mãos sendo dividido, a maciez da textura da sua mão na minha. Em qualquer outro momento, dar as mãos seria indiferente e comum, mas com você, minha menina, os pensamentos são incontroláveis, os sentimentos se elevam e tomam proporções indefiníveis. Tudo o que é romance, ao seu lado, se confunde em desejo e vice-versa.

Quando você segura forte a minha mão, eu sinto as bochechas esquentarem, o coração bater mais forte e meu desejo é unir nossos corpos num abraço interminável com toda a entrega e paixão que cabe em mim, como uma criancinha bonitinha, unir nossos lábios em um beijo lindo e demorado, olhar no fundo dos seus olhos e decorar os detalhes do seu sorriso. Ao mesmo tempo (e como é possível não me pergunte), minhas pernas tremem, meu corpo deseja as suas mãos e o seu corpo com toda a impureza que em mim cabe. Eu quero me declarar sua pra sempre, com uma paixão desvairada, lhe consumir até que não tenhamos mais forças. Estes sentimentos, apesar de parecerem tão opostos, vêm de uma vez só, como uma só coisa densa, atingem de uma vez, fica um nó na minha garganta, um frio na barriga que não me deixa comer nunca mais.

Todos os incríveis segredos que você guarda na pequenez de suas mãos só é possível notar com os olhos de loucura dos que amam verdadeiramente. Você é toda amor, toda paixão e toda prazer. Eu só faço me render aos seus infindáveis encantos.

I lose myself inside your mouth

Eu a vi meio de longe e diversas vontades me invadiram. Eu nem me recordo do momento em que me aproximei, de tão natural. Meu excesso de fala se calou pra dar lugar à sua voz doce e alta (demais), dizendo de todas as coisas um pouco. A presença dela era estonteante, eu ficava sem fôlego, sem o que dizer - nada mais parecia interessante perto do que ela tinha pra contar. Eu me contentava em me calar, sem pretensões maiores além de absorvê-la, em cada detalhe. Ela se movimentava com clareza, se expressava com afinco, a naturalidade em ser diferente que possuía era arrebatadora.

Os cabelos curtos eram de um vermelho intenso, pelos quais não passava nem perto a vontade de desbotar. Eram tão densos e incríveis quanto o espetacular sorriso que ela me abria, de vez em quando, entremeio a inundação vocativa de nossa extensa conversa-monólogo. Ela usava roupas incompreensíveis, ou era eu quem não as podia compreender, por não tirar do pensamento a idéia de eliminá-las o mais rápido possível. Lembro-me vagamente que na meia que usava por baixo do curto shorts preto, havia um rasgo, deixando a mostra um pedaço pequeno de pele branca, como um afronte à minha racionalidade, fazendo meus olhos instintivamente desviarem sem o meu consentimento.

Nos momentos mais inoportunos, ela me atirava uma pergunta profunda como uma bomba, que vinha explodir no meu colo, desprevenidamente absorta, eu engasgava nas palavras que não conseguiam se desvencilhar e serem traduzidas em sons nas minhas cordas vocais. Talvez eu devesse, todas as vezes, ter cantado pra ela para melhor dizer, mas não, eu respondia meia boca, um pouco que não respondia, depois voltava a me calar, falida. Ela pouco se importava e mantinha o ritmo. Eu a seguia, ofegante.

Não é de se impressionar que eu tenha me apaixonado perdidamente por ela neste dia. Na loucura do relacionamento que se seguiu, eu mal tive tempo de pedi-la em namoro porque ela o fez primeiro e, como sempre, minha surpresa não foi pouca. Algum tempo depois (pouco o bastante pra eu ainda me impressionar com a profundidade das perguntas repentinas), encontrávamo-nos deitadas num tapete macio, quando me atingiu a seguinte questão: O que você faria se eu morresse? Pequei pelo excesso e pela falta de conteúdo na resposta, não soube dizer, obviamente. De todas as perguntas que ela me fez, essa me deixou mais encabulada. Sem razão, quis muito tê-la verdadeiramente respondido, como sei bem que ela merecia que fosse.

Numa bela noite de calor, guitarristas solavam incansavelmente no palco enquanto nós nos distraíamos em uma conversa de bar qualquer. De repente, não mais que de repente, no intervalo entre uma palavra e outra, ela se levantou gritando: CARALHO, ADORO ESSA MÚSICA! Arrastou-me pela mão até a pista de dança, jogou-se nos meus braços, deixando-se envolver, a música entrando pelos ouvidos, os acordes sendo a cola entre nossos corpos grudados. Nossas bocas se encontraram num momento único, um sentimento peculiar me invadiu. Minhas mãos se arriscaram pela pele macia que cobria a minha moça, delicadamente acariciei seus volumes e fui me entregando ao beijo cada vez mais completamente. Senti me invadir outra alma pela boca, entrando em mim com a mesma textura macia, quente e doce daquela língua que encontrava a minha. Daquela boca, eu ouvi as melhores palavras de toda a minha vida. Nela, se encontrava a expressão da minha moça, a forma dela de dizer da vida. Forma essa que encontrava sentido e razão em meus ouvidos, agora também em minha boca, dentro de mim. Engoli as palavras mudas que ela me disse naquele instante e as senti enchendo meu coração de vida, meu peito de sentimentos fortíssimos, formigando em meus membros, amolecendo as minhas pernas. Meu estômago gelava todo o meu tronco, enquanto eu dividia naquela boca os meus gostos de viver ao mesmo tempo em que ela me entregava os dela, desconexos e perfeitos – doce, salgado, amargo, azedo, doce, doce, doce. Quando nossos lábios se separaram, ela me mostrou os dentes naquele sorriso especial e me envolveu em um abraço quente e aconchegante. À meia luz, nossos olhos se miraram por mais algum tempo, encontrando acalanto no brilho um do outro, os cílios delicados de minha ruiva contornando o atalho para a alma que eu já havia alcançado. Havia naqueles olhares a certeza de enxergarmos, porém, muito mais além. A música acabou com os aplausos animados da platéia e a moça me disse, com alguma ternura e alguma insanidade: Já podemos voltar agora. Eu, estarrecida, boquiaberta, cheia de desejo, de amor, de paixão avassaladora, de tormenta, de tornado, respondi como sempre, sem muitas palavras, perdendo-me nas entrelinhas e não sabendo formular: Você é muito louca, menina.

Se ela morresse agora, Deus, preciso que ela saiba que eu viveria pra sempre com o gosto daquele beijo entalado na alma, numa sinestesia incompreensível e sentimentalmente confundida. Passaria meus dias procurando aquele doce noutras bocas, onde tenho certeza que não o encontraria. As palavras dela jamais sairiam de dentro de mim, e a forma com que ela se expressa, que hoje circula em mim diluída ao sangue, calmamente gravada em meu interior, engrossaria e empedraria em minhas entranhas. No meu tempo livre, procuraria a resposta pra todas as perguntas que me nocautearam, só pra não encontrá-las e me manter sempre perdida, na esperança vã de eu jamais deixar de me sentir como eu me sinto com ela por perto.